Transformação digital é um tema muito discutido nos maiores eventos de negócio e tecnologia, além de ser item obrigatório na agenda das pessoas em cargos executivos no mundo todo.
Para o governo, explorar serviços digitais é uma grande oportunidade de atingir, de maneira mais produtiva, sua missão. Como assim?
Serviços digitais como parte da missão do governo no Século 21
De acordo com relatório da ONU [1], para que ocorra o empoderamento e o bem-estar de todas as pessoas, o setor público deve, de forma equitativa e eficiente:
- fornecer os serviços essenciais que atendam as necessidades dos cidadãos;
- fornecer oportunidades de crescimento econômico;
- facilitar o envolvimento do cidadão e participação na elaboração de políticas públicas e de prestação de serviços.
As oportunidades oferecidas pela transformação digital dos últimos anos, seja através de serviços online, big data, mídias sociais, aplicativos móveis, ou computação em nuvem, estão expandindo a forma como olhamos para governo digital. Inovação nos serviços e maior eficiência são parte dessas grandes oportunidades.
O que é, afinal, feito na transformação digital? A transformação não é sobre pegar formulários em papel e colocá-los em um site ou sistema. Trata-se de tornar as interações entre o governo, os cidadãos e os negócios tão transparentes e eficientes quanto possível.
Como é possível ser mais eficiente e economizar através dessa transformação? Serviços digitais poupam inúmeros custos com infraestrutura física para a realização dos serviços; diminuem erros e redundâncias de informações ao longo da prestação de serviço (que custam muito!); economizam o tempo das pessoas que não precisarão mais se deslocar e perder horas de trabalho/outros compromissos para serem atendidas. Mas, principalmente, os serviços digitais podem modificar radicalmente a forma como se oferece um serviço (ou o valor) para os cidadãos. E essa inovação no COMO o serviço é desenhado e provido pode trazer ganhos exponenciais.
Como o governo inglês vem economizando milhões por ano entregando serviços digitais?
A coragem de mudar muitas vezes vem através de eventos dolorosos para pessoas, organizações ou países.
Com o governo inglês, não foi diferente. Entre 2002 e 2013, o governo inglês avaliou um desperdício de £11.4 bilhões no desenvolvimento do maior projeto de software da Inglaterra feito para civis, um programa para o NHS (National Health Service, ou Serviço Nacional de Saúde).
Em 2010, iniciava o movimento de transformação digital ágil, com apoio do Ministro do Cabinet Office (similar à Casa Civil do Brasil), dentro do escopo de trabalho do ERG (Efficiency and Reform Group ou Grupo de Eficiência e Reforma).
Sim, fazer mais por menos. O Grupo de Eficiência e Reforma buscava diversas formas de aumentar a eficiência no uso de recursos pelo governo, transformar a forma como os serviços públicos eram entregues, melhorar a experiência do usuário e apoiar o crescimento do Reino Unido.
Uma das formas foi exatamente entender que era possível economizar muito dinheiro repensando a forma de oferecer serviços para os cidadãos. E mais: melhorando a satisfação no uso!
Mágica? Não. Transformação Digital.
O GDS (Government Digital Service ou Serviço Digital do Governo) foi criado em 2011 como um centro digital de excelência para o governo, respondendo ao Grupo de Eficiência e Reforma.
Entre 2011 e 2011, £145.000.000 foram economizados pela criação e/ou melhoria dos serviços digitais do governo inglês. O governo também revisou radicalmente os gastos em tecnologia para obter o melhor valor possível do investimento em sistemas (ex: £62 milhões foram economizados por trazerem os sites DirectGov e BusinessLink para o portal GOV.UK).
A diminuição de custos vem sendo progressiva na transformação digital do governo inglês. A cada ano, economizam mais dinheiro, suficiente para múltiplas ações na área de saúde, moradia, educação. Economia de [2, pp. 35]:
- £145m em 2011/2;
- £290m em 2012/3;
- £91m em 2013/4;
- £391m em 2014/5;
- £339m em 2015/6.
Obviamente, nem tudo são flores, o processo inteiro de transformação leva anos e também tem falhas (como tudo que queremos aprender na vida). O relatório [2] da agência britânica de auditoria, o National Audit Office, relata esses resultados, enquanto questiona outros publicados pelo GDS.
Dentre outros fatores, podemos destacar que o governo inglês atingiu esses resultados através de sua Estratégia de Transformação Digital, que previu:
- Reestruturação da abordagem de gestão das finanças públicas: orçamento, investimento e gestão de receitas e capital de giro;
- Desburocratização do processo de compra e aquisição e consequente fomento de um ecossistema de parceiros envolvendo pequenas e médias empresas;
- Melhoria do sistema de monitoramento de resultados: granularidade departamental, informação transparente ;
- Transformação ágil seguindo princípios norteadores: 1) Design Principles, 2) Digital Service Standard e 3) Technology Code of Practice;
- Desenvolvimento da visão, da responsabilidade e das competências necessárias para impulsionar uma transformação em larga escala, voltada a entrega de serviços que atendam as necessidades do cidadão;
- Redesenho de estrutura, escala e modelo operacional do governo.
Segundo o relatório da McKinsey [3], o governo inglês não é o primeiro a enfrentar a necessidade de consolidação fiscal ou melhoria na prestação de serviços. Suécia, Dinamarca, Austrália e Israel se recuperaram de déficits orçamentários significativos nas décadas de 1990 e 2000. Da mesma forma, os EUA e a Alemanha, bem como os governos mais pequenos, como Singapura, a Estônia e a Escócia, tomaram medidas importantes para melhorar a prestação de serviços e o gerenciamento em orçamentos apertados.
O Brasil em Transformação Digital
No recém publicado índice de competitividade digital, o Brasil está em uma zona de atenção, onde não apenas temos problemas estruturais a resolver, como também a velocidade de resolução não tem ocorrido a contento (estamos entre Break Out e Watch Out).
Pude participar do projeto servicos.gov.br, um portal com intenções parecidas com o www.gov.uk: criar uma plataforma central para encontrar, de forma simples e rápida, o serviço que o cidadão procura. E, se ele for digital, é possível iniciá-lo dali mesmo, sem muitos cliques. Esse trabalho, se estendido pelo Ministério do Planejamento, pode ser um exemplar inicial de transformação digital.
Alguns líderes do governo, como o secretário Márcio Braz (TCU), consideram que a transformação digital no nosso governo ainda é hype. O que concordo, pois há muito a ser feito. E temos pressa, pois a economia digital está se movendo e o Brasil pode perder muito em não se desenvolver digitalmente na velocidade mínima necessária.
E essa hype não á apenas uma ondinha, mas A onda do século 21. Aquela que vem transformando profundamente as relações sociais, culturais e econômicas. Esse tipo de movimento não tem volta, a exemplo do impacto da revolução industrial nos séculos 19 e 20.
A partir do ganho de consciência, da educação e ações práticas (ainda que pequenas), podemos dar saltos! No Diálogo Público de 12/09/17, organizado pelo TCU, convidei os presentes a pensarmos em uma Escola Digital. Uma Escola com líderes/experts facilitando uma experiência real de criação de novos serviços digitais. Passando, claro, pelo desenvolvimento de inúmeras competências essenciais no século 21 (técnicas e não técnicas). O convite está oficializado!
Slides da apresentação “Governos em transformação digital” no Diálogo Público do TCU, 2017
Referências
[1] United Nations E-Government Survey 2014: E-Government for the Future We Want. Fonte: http://unpan3.un.org/egovkb/Portals/egovkb/Documents/un/2014-Survey/E-Gov_Complete_Survey-2014.pdf
[2] Digital transformation in government. Report by the Comptroller and Auditor General Ordered by the House of Commons, 27 March 2017. Disponível em: https://www.nao.org.uk/wp-content/uploads/2017/03/Digital-transformation-in-government.pdf
[3] World-class government Transforming the UK public sector in an era of austerity: Five lessons from around the world. McKinsey&Company, March 2015. Disponível em: http://www.mckinsey.com/~/media/mckinsey%20offices/united%20kingdom/pdfs/world-class_government_transforming_the_uk_public_sector.ashx.
Leituras recomendadas
Don Tapscott. The Digital Economy. Publisher McGraw – Hill Companies Incorporated, 1996.
George Westerman, Didier Bonnet, and Andrew McAfee. Leading Digital: Turning Technology into Business Transformation. Harvard Business Review Press (October 14, 2014)
60 Countries’ Digital Competitiveness Indexed. Bhaskar Chakravorti, Ajay Bhalla, Ravi Shankar Chaturvedi. Disponível em: https://hbr.org/2017/07/60-countries-digital-competitiveness-indexed.
Top 10 Trends For Digital Transformation In 2017. https://www.forbes.com/sites/danielnewman/2016/08/30/top-10-trends-for-digital-transformation-in-2017/#40ea4b6047a5
Bjarte Bogsnes, Claudia Melo, Esther Derby, Kati Vilkki, Michael Sahota (2015). 9 Ways to Fail with KPI’s. Disponível em: http://claudiamelo.org/2016/10/06/9-maneiras-de-falhar-com-kpis